Até 31 de janeiro do ano que vem, brasileiros devem perceber mudanças quando precisarem resolver pendências em cartórios de todo o país.
Até esta data, certidões civis ou de títulos serão emitidas, enviadas e recebidas de maneira eletrônica, e oficiais de registro não precisarão imprimir os documentos. As mudanças acontecerão em meio à implementação do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), que também deve permitir o intercâmbio de documentos entre cartórios e usuários.
Desburocratização
Prevista em lei de 2009, a ferramenta foi regulamentada no ano passado por meio de uma medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro. Após ser votado na terça-feira (dia 31), no Senado, o texto voltou à Câmara dos Deputados na quarta-feira (dia 1º), por ter recebido emendas. Aprovado, vai agora à sanção presidencial.
A ideia é que a plataforma reúna todos os serviços burocráticos operados por cartórios de registro civil, de títulos e de imóveis. O sistema será operado pelo setor por meio de uma entidade sem fins lucrativos custeada por um fundo criado a partir de contribuições dos cartórios, seguindo a regulamentação da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
De acordo com o texto, as certidões eletrônicas deverão ser feitas com o uso de tecnologia que permita ao usuário imprimi-las e identificar sua autenticidade, conforme critérios do CNJ. Também caberá ao órgão determinar detalhes como o cronograma de implantação do sistema, padrões tecnológicos de escrituração, segurança e comprovação da autoria e da integridade de documentos em formato eletrônico.
Dados da Associação dos Notários e Registradores (Anoreg) apontam que 92% dos serviços oferecidos por todos os tipos de cartórios já são digitalizados. Apesar disso, o governo federal contabiliza que mais de 50% dos cartórios não têm páginas na internet. Para a entidade, o grande avanço da regulamentação é a centralização dos serviços, principalmente os relativos a imóveis.
O que muda?
Entre os cinco tipos de cartório do país, dois ficaram de fora da regulamentação da Serp: os de notas — que emitem documentos como escrituras, procurações e testamentos, além da do reconhecimento de firma e autenticação de cópias — e os de protesto, nos quais são protocolados documentos referentes a dívidas. Os dois já têm sistemas digitais próprios onde são oferecidos serviços.
Registro Civil
Nos cartórios de registro civil, onde são emitidas certidões de nascimento e óbito, além emancipação de menores e reconhecimento de paternidade, entre outros serviços, a principal mudança trazida pela MP é em relação ao casamento.
O processo deverá ficar mais rápido, com o tempo entre a submissão dos documentos e a habilitação do casal caindo de 15 para 5 dias. Além disso, as celebrações também poderão acontecer de forma on-line, via videoconferência, modalidade que ganhou espaço principalmente no primeiro ano da pandemia, por conta das medidas restritivas para evitar o contágio da Covid-19.
— Tivemos um empurrão na pandemia que fez com que vários estados regulamentassem casamentos à distância, e agora temos essas normas alargadas para todo o país — avalia Gustavo Fiscarelli, presidente da Associação de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
Além disso, a conversão da união estável para casamento também deverá ser facilitada. O pedido deixará de depender de documentos que formalizem o pedido ou de pareceres judiciais, como acontece em alguns estados, e deverá ser solicitada pelo casal em cartório, presencialmente ou on-line. A partir daí, o procedimento seguirá da mesma forma que o casamento, só que sem cerimônia.
— Hoje não há uma regulamentação nacional, não há sintonia. Com a MP, a conversão independe de qualquer documento. Basta a manifestação das partes, sem interferência do Ministério Público ou da Justiça — explica Fiscarelli.
O texto da MP prevê ainda que alterações do nome natural também poderão ser feitas diretamente no cartório, e o registro on-line de nascimento, que já era regulamentado pelo CNJ, passará a ter base legal.
Registro de imóveis
Nos cartórios de registro de imóveis, a sanção da medida provisória deve padronizar os processos. Hoje, quando um consumidor faz o financiamento de um apartamento, por exemplo, precisa levar o contrato de garantia do banco ao cartório de registro de imóvel, registrá-lo, e devolvê-lo a instituição financeira para que o pagamento do imóvel seja liberado.
Com a mudança, a transação passará a acontecer de maneira eletrônica, e com pedidos padronizados no formato XML. Além disso, o prazo de validação cairá de 30 para 5 dias. É o que explica Flaviano Galhardo, diretor do Registro de Imóveis do Brasil (RIB).
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— O sistema vai criar uma linha reta na transação com o documento eletrônico, tirando intermediários do processo e reduzindo custos e tempo na concretização dos negócios — avalia Galhardo, afirmando ainda que, atualmente, 80% das certidões de imóveis emitidas em São Paulo já são on-line.
O texto da MP prevê ainda a central de garantias, uma ferramenta de busca onde será possível que os credores verifiquem que bens uma pessoa tem, e o que já está comprometido.
Em dezembro de 2021, quando a MP foi publicada, o então secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sacshida — hoje ministro de Minas e Energia — afirmou que, com a medida, o país sairá de um “sistema cartorial local para um sistema cartorial global”, mas ressaltou que atualmente mais de 50% dos cartórios não têm páginas na internet.
— Há uns anos isso (a digitalização) já vem sendo feita em alguns locais, mas ainda existem cartórios, principalmente no interior, que ainda não têm sequer um processo eletrônico dos seus atos. Então, é necessário criar um sistema e digitalizar todos os documentos que já existem e vincular aos demais. A questão hoje é também a adaptação desses locais — analisa Hamilton Quirino, advogado especialista em Direito Imobiliário.
Registro civil de títulos e documentos
Nos cartórios de registro civil de títulos e documentos, que registram e guardam inúmeros documentos, como contratos e estatutos de entidades da sociedade civil, as mudanças previstas pela MP também devem trazer mais celeridade e facilitar o acesso aos processos.
— O registro de títulos e documentos sempre foi feito no domicílio do solicitante, e quando havia mais de um, eram feitos no domicilio de cada, o que dificultava, por exemplo, consultas prévias feitas pelo mercado. Era tudo muito no escuro. A primeira mudança é que um único registro será suficiente, e não importará onde ele for feito, já que vai aparecer na central nacional com visibilidade geral. É uma mudança profunda — explica Robson Alvarenga, diretor do Instituto de Títulos e Documentos.
Assinatura eletrônica
O texto da MP também prevê o uso de assinatura eletrônica avançada no acesso e envio de informações pelos cidadãos por meio do sistema, para, de acordo com o governo, ampliar o acesso aos serviços digitais.
Atualmente, somente são aceitas assinaturas eletrônicas qualificadas, com uso de certificado digital, o que para especialistas é custoso. Com as novas regras, os usuários poderão dar entrada com a assinatura Gov.br, que é gratuita.
Fonte: extra.globo.com